Sou um criativo que trabalha a serviço da propaganda. Sou também um compositor a serviço da música. Estabeleço pontes entre esses dois mundos
o tempo todo em minha rotina de trabalho. Criar, pra mim, é como compor.
A música é algo essencial no meu processo criativo. Manipulo músicas como chaves para acessar determinados lugares no mundo das ideias. Como tenho facilidade de compor, durante um job, é muito comum que eu intuitivamente crie linhas melódicas que acabam me conduzindo a diferentes estados de espírito. Como mantras, certas melodias têm o poder de me conectar com ideias muito sutis – ideias que eu não alcançaria de nenhuma outra forma. No final, as melodias podem ou não fazer parte da execução da ideia, ou podem ser aproveitadas tempos depois em alguma composição minha. Normalmente, elas simplesmente se dissipam na minha mente. Daí, vem um novo job e, com ele, novas melodias.
Para dar um exemplo, usando um filme que infelizmente não é meu: “Designed to thrill” da Audi. Se eu tivesse criado esse filme, a música viria antes e aquele violino me levaria pela mão a todas aquelas imagens planificadas de mecanismos e vetores demonstrando a emoção humana. O mesmo aconteceria com o filme da Kenzo dirigido pelo Spike Jonze. A ideia de uma trilha doida como aquela provavelmente viria antes da própria ideia da mulher dançando.
Eu sei, é algo bastante peculiar. Mas funciona assim comigo. E mesmo quando o processo não se dá dessa forma, ainda assim a música continua sendo uma ferramenta fundamental. Grande parte dos roteiros que faço, eu já escrevo pensando na trilha sonora do filme. Escrevo as cenas imaginando como aquelas ações se comportariam conduzidas pela emoção proposta pela música. Acontece muito de eu estar empacado com alguma ideia e a coisa só fluir depois de eu encontrar uma referência de trilha que me inspire. No fundo, pra mim, todo roteiro é uma obra de composição.
Quando escrevo, me interesso pelo ritmo das palavras, tenho um particular prazer em escolher palavras que interagem umas com as outras de forma a estabelecer uma cadência interessante, ou um efeito percussivo, ou um conjunto sonoro harmonioso. Sou capaz de mudar uma frase que já estava perfeita num texto simplesmente porque, ao falar a frase em voz alta, ela me soa um tanto fora do ritmo do texto como um todo. Ritmo, cadência, percussão, harmonia. Sim, pra mim, texto também é música.
No meu processo criativo há dois momentos distintos: tem o momento da troca, do brainstorm, da falação, do embate das ideias com os meus duplas e parceiros criativos (uma das grandes alegrias que a propaganda me dá diariamente); e tem esse outro momento, o da reclusão, da busca solitária por ideais mais etéreas. Aqui, quem impera é o silêncio. Esse momento é vital pra mim. Quantas e quantas vezes chego na agência às 7h da manhã apenas para experimentar esse silêncio profundo por algumas horas antes do dia começar. É quando sou mais produtivo. O silêncio, pra mim, é uma instigante página em branco a ser povoada por ideias.
Como compositor, minha principal fonte de inspiração é a própria música. Ouvir, prestar atenção nas sutilezas dos arranjos, nos timbres dos minuciosamente escolhidos pelos djs, nas diferentes maneiras de se alcançar o groove, e, obviamente, nas letras, tudo isso alimenta a minha criatividade.
Passei o ano de 2017 inteiro buscando novas referências, ouvindo coisas que eu não ouvia muito antes, mergulhei mais na música indie, no hip hop, fiz incursões pela música eletrônica. O resultado é que comecei a compor de um outro jeito, aumentei o meu espectro de possibilidades. Isso já influenciou o meu trabalho em propaganda.
Ouvir Kendrick Lamar me faz ser um criativo melhor. Entender porque Lana Del Rey toca tanto o coração da minha filha adolescente, me faz ser um criativo melhor. Tentar desvendar os mistérios da música de Gustav Mahler, é estar mais próximo de compreender a dimensão do divino em cada um de nós.
Texto publicado em 2018 no Propmark
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