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ESPAÇO DE

OPINIÃO

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# LIDERAR A CRIAR OU CRIAR A LIDERAR?


A maior parte da minha vida profissional foi vivida em agências de publicidade onde estava bem definida uma fronteira entre os departamentos e de quem faz o quê. Durante todos esses anos vivi no dogma de que as ideias têm origem num só um sítio – no departamento criativo. Os criativos são os responsáveis por criar as ideias que vão solucionar os desafios que são lançados pelos clientes. Todos os outros colaboradores, incluindo qualquer elemento da liderança que não fosse do departamento criativo, eram rotulados como “não criativos”. De alguma forma cresci profissionalmente com a aceitação desse preconceito, mesmo apresentando muitas ideias que não vinham daí ou só daí. Por responsabilidade do sistema, mas principalmente, porque nunca questionei, nunca pus isso em causa. Era o que era.


Ao sair do mundo das agências ditas criativas fui-me deparando na resolução de novos de desafios e fui desconstruindo esta perceção. O que é um processo. Ainda hoje penso, por vezes, “eu não sou criativa”, porque nem sempre penso no “duplo sentido”, ainda fico “colada” ao trabalho oficial designado por criativo - alguém que faz a sua jornada de trabalho diária só a gerar ideias e na forma de as apresentar: a ideia-força tangibilizada por exemplo num vídeo, numa peça ou numa ação.


O mundo mudou, entretanto. E o trabalho colaborativo, ou a co-criação, deixou de ser um método pontual para ser uma prática comum, onde podem participar elementos de diferentes empresas, áreas, departamentos e funções hierárquicas. Como defendeu Andrew Staton, da Pixar, “as qualificações exigidas para um brainstrust (como designam as sessões de brainstorm na sua organização) são: as pessoas que escolher devem levá-lo a pensar de forma mais inteligente e apresentar soluções num curto espaço de tempo. Não importa quem é, a empregada da limpeza, o estagiário ou um dos seus tenentes de maior confiança: se o puderem ajudar a fazer isso, devem ser ouvidos.” É a era da democratização da criação – a criatividade está ao alcance de todos e um líder deve ter cada vez mais presente esta noção.


Ao longo destes anos, sou testemunha de muitas boas soluções criativas idealizadas por seres ditos “não criativos” e concordo que não interessa de onde venha a melhor ideia, o que importa é que ela surja. Também – e para que fique claro –, esta opinião em nada diminui o trabalho profissional de um criativo, função que muito admiro e invejo na sua capacidade de saber estimular a geração de ideias e do seu poder transformador de hábitos, comportamentos e mudanças de perceção.


Em 2020, a criatividade voltou a estar no topo das skills mais relevantes para as empresas. O Cinco Días avançava que mais de 90% das empresas espera que a procura por competências criativas cresça entre 2020 e 2022. Como refere Santi García, um dos autores deste estudo, “para gerirmos situações difíceis para as quais nunca nos deparámos antes, com problema novos, precisamos de soluções criativas”.


E se o futuro é hoje e a antecipação é a palavra de ordem como estão os líderes conectados com a criatividade? Muito se discute sobre o género da liderança, sobre as formas de liderança ou o empowerment da liderança. Devemos estar atentos e preocupados com o seu rumo, mas a par com a empatia, a maior imposição que se deve colocar à liderança é a criatividade. E das muitas características que os inúmeros artigos destacam que os líderes devem ter, esta nem sempre surge, e não pode ser tida com um nice to have, mas como um must have. Porque lidera-se pelo exemplo.


O contexto volátil e incerto é um terreno fértil para a criatividade e a criatividade é aquilo que nos faz reinventar – e olhar de forma diferente para o mundo que nos rodeia.


A criatividade ajuda a encontrar processos e resultados inovadores que permitem melhorar o output pretendido. Um líder tem a obrigação de exercer influência sobre as pessoas de forma a que estas possam trabalhar para um objetivo comum, e nunca tanto como hoje, o universo esteve tão alinhado com esse objetivo – trabalhar para o garante da saúde pública e da economia. Um líder toma decisões que geram uma emoção coletiva para que todos se sintam ligados a um propósito. Nós fomos educados num sistema racional, do que se deve ou não fazer, do que fica bem e do que não fica e gostamos de ser regrados. Dá-nos algum conforto, mas a liderança tem de ir além disso. A liderança é cada vez mais governada por emoções. São as mudanças que passam a ser a norma e um líder tem de estar ao serviço da sua equipa para se adaptar da melhor forma e com os melhores resultados a essa verdadeira nova “patroa” – a mudança.


Como referimos no nosso artigo IDEAS, não somos educados para ser criativos. Na verdade, à medida que vamos crescendo, vamos tornando-nos menos criativos. Humberto Massareto, mestre em Criatividade e Inovação, refere isso mesmo: “A criança nasce sem bloqueios, aprende algumas coisas e seu repertório começa a se constituir. Pelo fato de não ter medo, ela se expressa sempre que tem oportunidade, daí muita gente dizer que são mais criativas. Na verdade, elas arriscam-se sem medo.”

A sociedade vai-nos moldando e por vezes criamos bloqueios quer a nível emocional, que se demonstra através do medo e preconceitos, mas também bloqueio organizacional, pois a gestão multicliente/método dá pouco espaço para criatividade. Ao liderar e, principalmente, nestes contextos de incerteza, o receio também surge, fruto desses bloqueios. Mas quando conseguimos usar a criatividade a nosso favor, encontramos soluções que sem ela não conseguimos alcançar.


A boa notícia é que talvez sejamos mais criativos do que achamos. Como descobriu Jessica Stillman, a generalidade das pessoas auto-avalia-se em várias áreas de forma otimista em muitas competências sociais e técnicas, com exceção para a criatividade em que a tendência é subestimar as nossas capacidades criativas. Somos, por isso, mais criativos do que achamos.


E a criatividade pode estar nas coisas mais simples e não apenas nos grandes conceitos ou nas grandes ideias. Numa conversa, numa forma de apresentar, numa negociação ou numa simples tomada de decisão. A criatividade não se manifesta apenas num serviço/solução inovadora, numa ideia de comunicação, mas também em atitudes, relacionamento e até a negociação.


Um líder tem instinto, visão, audácia, feeling, que aliado à experiência lhe permite antecipar o caminho que vai criar. O errar faz parte da equação. Testar, aprender e voltar a baralhar, é assim que se consegue aprender e trilhar o caminho a seguir. Temos essa obrigação. É uma das exigências que somos alvos quando somos legitimados a liderar. Não só por quem nos escolheu, mas principalmente por quem nos segue. Como líderes estamos ao serviço da nossa equipa. Como defende Ed Cullman, Fundador e CEO da Pixar, “o líder nunca pode perder a confiança da sua equipa. As pessoas querem que os seus líderes sejam confiantes. Para liderar significar tentar fazer a melhor aposta e despachar-se, porque se estiver errada, ainda haverá tempo de mudar.”


A magia da criatividade é não ser uma ciência exata, e não termos a garantia do resultado final. E é isso que cria borboletas na barriga. Esse divertimento, essa competência poucas vezes é associada a um líder. Ainda segundo Ed Cullman, libertar a criatividade implica largar os controlos, aceitar o risco, confiar nos colegas, trabalhar para limpar o caminho à sua frente e prestar atenção a tudo o que possa gerar medo. Fazer tudo isto não torna necessariamente a função de gerir uma cultura criativa mais fácil. Mas o objetivo não é a facilidade; o objetivo é a excelência.


E criatividade não é apenas destinada a mentes brilhantes e iluminadas, a criatividade é uma ferramenta que pode ser potenciada, em que o grande desafio é saber como a estimular e tirar partido da mesma, pois quem cria lidera e quem lidera cria.


Einstein dizia que “a criatividade é a inteligência a divertir-se”. Então, eu digo: líderes, let’s have some fun!



4 de Dezembro de 2020


Marlene Gaspar Diretora, LLYC


Presidente de Júri na Categoria de RP e Eventos


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