top of page
bolota.png

ESPAÇO DE

OPINIÃO

Folha seca_1.png

Luzes, câmaras, Covid!


“Novos casos: 5. Importados: 3. Casos na comunidade: 0. Casos em dormitórios: 2.” Todos os dias, o grupo de WhatsApp do Governo de Singapura envia-nos os últimos dados da pandemia. Graças a fronteiras fechadas, imposição do uso de máscara, e apertado controlo desde o início, o número de casos no país tem diminuído significativamente. Mas não sem impactar profundamente a maneira como as agências trabalham.


Passámos longos meses sem acesso ao escritório. Em Outubro voltámos ao sistema de equipa A e equipa B, que nos permite visitas em semanas alternadas, mas as diretrizes são para continuar a trabalhar a partir de casa sempre que possível. Todas as reuniões, brainstorms, e apresentações a clientes são feitas via Zoom ou Teams. Para minha surpresa, ninguém liga a câmara durante estas reuniões. Eu sigo o exemplo. Afinal de contas sou introvertida, e também tenho roupa para estender. Mas a certa altura há-que ponderar se o que se poupa em maquilhagem compensa a inevitável desumanização dos interlocutores.


Após uma semana com múltiplas chamadas em que vários clientes deram feedback particularmente agressivos às ideias, dei por mim a perguntar-me “Será que teriam reagido assim numa reunião presencial? Pouco provável.” Em boa verdade, na última chamada os criativos estavam a trocar mensagens entre si durante a reunião. Não me admirava que os clientes tivessem o seu próprio grupo de WhatsApp onde estavam a fazer o mesmo.


Depois há as filmagens. Um país pequeno como Singapura tende a recorrer a talento de todo o mundo (ou pelo menos dos países vizinhos, dependendo do orçamento) para produzir os seus filmes publicitários. E eis que assistimos ao advento das filmagens remotas. Nos dias que correm, a maior parte das produções estão dependentes de internet rápida, múltiplos ecrãs em live streaming, e equipas que vivam no país onde se pretende filmar. Sim, é um filme.


Recentemente produzimos dois spots filmados em Shanghai. Só o realizador, que mora em Taiwan, voou até lá. Teve de ficar 14 dias fechado num hotel em quarentena, para filmar quatro dias. Ninguém disse que era fácil. A ideia de filmagens sem clientes no estúdio até pode soar atrativa, mas tem muito para correr mal. Desde o tempo que se demora a receber feedback do cliente, à constante mudança de plataformas —Google Classroom para o live feed do estúdio, Teams para conversas entre agência e cliente, e Zoom para conversas entre agência e produção — há todo um conjunto de botões de mute que convém dominar. Também é fácil o cliente esquecer-se que cada cena que decide adicionar ao guião pré-aprovado vai prolongar as horas de trabalho não só das pessoas que ele/ela vê no ecrã, mas de uma equipa alargada de técnicos e stylists e ajuda à produção que precisam de descansar. Ainda para mais na China, onde o dia de trabalho já corresponde a 16 horas.


Precisamos todos de mais empatia. Incluindo eu, que não me posso esquecer que aquela voz de cliente que sai do meu computador é uma pessoa real. Uma pessoa que pode estar num apartamento pequeno e/ou barulhento e/ou lotado. E que, tal como eu, já não tem umas férias como deve ser há muito tempo.


Claudia Ribeiro Associate Creative Director, Publicis Singapura


Jurada na Categoria de Briefing Aberto


flor.png
bottom of page